O número, ou medida, e a aparição do ser
são dois antônimos exatos; eu queria
que fossem convergentes e pus-me a conceber
as músicas da mente, as artes da poesia,
como uma tradução da eterna geometria
impressa no fugaz. A luz do entardecer,
no entanto, eu já rapaz, não me deixou viver
em paz: por muito ambígua, jamais a soma fria,
os algarismos que Pitágoras sonhara;
somava-lhe os pedaços porque a mente não pára,
mas nunca dava com a medida imaginada.
Naquela tarde um pássaro de garganta cortada
afinal fez-me ver como a emoção separa
e une tudo outra vez às vésperas do nada.
(Bruno Tolentino; a imitação do amanhecer, I. 10)